4.3.08

mad.dream.crazy.life.bracket.


Já eram cinco da tarde e o sangue ainda não havia secado.
Na minha garganta ainda havia aquele resto de saliva com gosto do café de duas horas atrás. Os ponteiros do meu relógio de pulso brilhavam escondidos dentro do bolso da calça, e eu ainda não havia tomado coragem para fazer nada. O isqueiro estava no bolso da camisa de -----, e não seria eu que iria pegá-lo, portanto, não seria eu que iria fumar. O medo era como cordas invisíveis que, além de prender meus membros, enforcava-me a garganta com milhões de angustias em forma de suor. Resolvi molhar os dedos novamente no copo vermelho, e voltei a escrever nas paredes tudo que eu sentia, em forma de poesia. Eu sei rimar quando quero. Mas poesias são muito mais do que rimas; poesia é beleza em forma de palavras, por mais que ela seja triste ou alegre. Minhas poesias nunca são alegres, talvez seja porque a vida não é divertida. Não há a metade de um átomo de alegria em cada sílaba que escrevo. Cada vírgula, cada letra, cada rima, cada ponto de interrogação é um beco escuro onde minhas amarguras se escondem.
As cordas da minha concentração romperam-se de repente, quando ----- olhou de esguelha, com aqueles olhos opacos que furaram meu estômago tão de repente quanto deixei cair o copo de sangue das mãos. Ele abriu a boca, como se ele tivesse uma palavra entalada no meio dos lábios, e torci para que não dissesse nada, para que não soltasse nenhum ruído da boca que me obrigasse a tapar os ouvidos e recomeçar a chorar. Eu tiro da mente mais algumas palavras, e lá fora o sol começava a se pôr, retirando-se sorrateiramente entre as nuvens quebradas. ------ parou de me olhar, e sem que eu tivesse que fazer aquilo, ele fechou os olhos sozinho, e percebi que sua respiração cada vez mais diminuía de ritmo. Por fim, parou completamente. Tive vontade de estourar cada osso da costela daquele homem, e agarrar com minhas próprias mãos os seus pulmões, talvez cheios de buracos pelo cigarro, e assoprar para que voltasse a respirar, e agonizar no chão da sala. Agora o cadáver estava à minha frente, e eu podia senti-lo. Limpei as mãos na torneira do banheiro, pintei de vermelho a pia de mármore, e sequei-me na calça. Tirei debaixo da lista telefônica algumas folhas em branco, passei à limpo todas as poesias no papel, e guardei-as no bolso de trás da calça jeans. Liguei, sem saber como ligava, a vitrola no canto da sala, e comecei a ouvir um blues que cheirava a uísque e cigarro. Banhei todos os cômodos da casa com querosene, e enquanto isso, sentia falta dos gritos de ----- excitando minha imaginação. Agachei sobre o corpo, tive vontade de socar aquele rosto calmo e nada inspirador, mas nada fiz além de cuspir em cima dele. Retirei o isqueiro do bolso da camisa, e supus que ------ fumasse à todo instante, pelo pouco de gás armazenado ali. O fogo começou a se espalhar pela camisa cor-de-rosa. O fogo bailava com paciência sobre o tecido de algodão, e já começava a penetrar sobre a pele. O cheiro de carne assada era tão grande, que me veio à cabeça o churrasco da noite passada na Editora Medéia. Sai do apartamento, trancei a porta, deixando cair as chaves no bolso. Mesmo antes de sair, o cheiro de madeira queimada exalava por debaixo da porta, e supus que o fogo já havia se alastrado. Desci as escadas com passos lentos, o suor banhava meu corpo que aderia à roupa. Acendi um cigarro, finalmente, mas joguei-o pelo bueiro imaginando os pulmões pretos do cara. O cardápio da noite seria pulmões assados.