20.1.09

QUERIDOS FANTASMAS:



Peço desculpas pela minha (grande) ausência nesses últimos meses. As coisas sairam do controle de minhas mãos. Talvez eu tivesse todo o controle sobre elas, e eu simplesmente o despachei. Muitos erros cometidos, muitas lições aprendidas, muita coisa mudou... Mudou até demais. Não foi por mero esquecimento que abandonei este queridíssimo e vazio Blog (não só). As coisas andavam com uma calma muito grande... Não sou muito chegado à silêncio. Agora tenho que conviver com ele. O Blog ficou largado não só pela falta de tempo, mas também pelo quanto estava sofrendo pelos problemas que estava passando... Em geral, fazia muito tempo que não escrevia. Sinti tanta falta! É como se eu não andasse à setenta anos, e tivesse a oportunidade de caminhar sobre grama fofa. Cada dia mais esse desejo de ter meus livros editados vai crescendo. Creio que todos que escrevem "amadoramente" (meu vocabulário de palavras inexistentes é maravilhoso) são escritores, a única diferença é que não possuem seu devido reconhecimento. Bem, estou enxendo linguiça e o café aqui está esfriando.


Peço desculpas, maaaaaais uma vez pela minha ausência.


E o texto HOMO HOMINIS LUPUS não irá ter um fim (por enquanto). Me cansei desse conto, está muito chato e não estou com saco para continuar a escrevê-lo. Estou me dedicando a outros projetos muito mais interessantes, e quando, alguuuuuum dia... a inspiração e bater, escreverei a derradeira parte deste conto. Mas por enquanto, contentem-se com esse meu pedido de desculpas. Não vou reler este texto que estou terminando de escrever pois estou com sono e estressado, um tanto quanto chato, e se houver algum erro gramatical, perdoem-me.



Vou deixar o link de um vídeo de uma banda maravilhosa, chamada BEIRUT. A música é "Elephant Gun", conhecida também por ter sido a trilha sonora da microssérie brasileira "Capitu" (microssérie que, por cima, foi ESPETACULAR).


http://www.youtube.com/watch?v=N-mqhkuOF7s



Beijos, e até algum dia quando me lembrar deste Blog novamente


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3.7.08

Homo Hominis Lupus (segunda parte).


Sobressaltado, Demogorgon ofegava sentado sobre um rochedo, sentindo uma leve vertigem. Suas mãos tremiam descompassadas, estava cercado de árvores velhas e retorcidas que, mesmo sendo dia, davam-lhe um estranho temor. Contorcia-se de uma fome avassaladora, que chegava a virar dor. Sua cabeça explodia em terríveis dores esporádicas, que atacavam suas têmporas em momentos inesperados. Trêmulo, ergueu-se cambaleante, tropicando sobre as pedras. O pouco que sobrara da barra de suas calças, rasgou-se com os galhos espinhosos que se ramificavam por cima do chão rochoso.
Ele adentrou novamente por entre a densa floresta. Como flashs, ia lembrando-se dos momentos que vivenciara na noite passada, com um profundo terror que ia transbordado sua alma. Olhou uma última vez para o mar, brilhando com o sol a cintilar no horizonte. O únicos pedaços de madeira do navio naufragado boiavam à beira da praia, por entre as espumas brancas do mar. Os urubus montavam um grande salão de festa à orla, trazendo em suas gargantas com grandes bicadas o que restou dos corpos esbranquiçados deitados na areia da praia, como fantasmas ao meio dia. Desesperadamente, ajoelhou-se ao lado de uma garrafa de rum boiando à beira da praia, e como os lábios de uma linda donzela, beijou o gargalo com um ar de súplica, rogando uma mísera gota de álcool, na qual pudesse acalmar os demônios enjaulados dentro de sua alma. Ergueu-se derrotado, com a boca seca de água salgada.
Adentrou na floresta, que, a cada passo que dava, tornava-se cada vez mais silenciosa, como se todas as árvores e plantas se calassem com sua presença, prestando atenção no seu corpo cambaleante, mais morto do que vivo, que perambulava sem destino. Demogorgon cravou as unhas na barriga, tentando arrancar dela a dor dilaceradora, a fome, aquele ser maldito que avassalava o interior de seu corpo em cem pedaços. Se pudesse defini-la, talvez tivesse dito que a fome doía como unhas compridas e afiadas que raspavam no seu estômago, rasgando-lhe numa dor mortífera e lenta. Sem destino, quase cego de agonia, ele corria pelo campo de árvores compridas, esgueirando-se quase que por intuição das pedras erguidas no meio das trilhas, e como uma canção maldita, gritava, deixando as tépidas lágrimas escorrerem pela face suja de medos. Demogorgon se calou quando seu corpo fora jogado para frente, no momento em que o campo florestado inclinava-se para baixo, num misterioso barranco coberto por uma densa camada de grama e pedras antigas. Seu corpo rolava desgovernado, pequenos cortes em seus braços eram feitos pelas pedras pontiagudas no caminho, suas costas aqueceram-se com o sangue que jorrou quando uma lâmina traiçoeira perfurou seu corpo. Seu grito fora abafado por uma pedra que parou o movimento do seu corpo pelo campo inclinado. De olhos fechados, com os lábios colados na pedra, ouvia apenas os bruscos movimentos do seu coração, e uma respiração, que não era a sua, ao fundo.
Abriu, de repente, os olhos, e se deparou com a descrição do epitáfio “Depois de muito comer, será comido a partir de agora, Willian Jepsen Metcalf: ¶1898 - †1945” entalhada num bloco de pedra que, horrorizado, percebeu ser uma funesta lápide. Levantou rapidamente o corpo adormecido, e viu, ainda mais aterrorizado, várias lápides encravadas na terra, como uma gigantesca mão que desenterrava do solo seus dedos rochosos. Ali, vindo em sua direção como um canino nascido no Inferno, a sombra negra de um homem corria, saltando raivosamente por entre os túmulos. Demogorgon apanhou do chão um pedaço de pedra, um dos únicos que sobraram de uma lápide à um metro de distância de seu corpo, e sem pensar uma única vez, lançou-a contra o individuo, que se esquivou do objeto atacado, com a mesma agilidade de uma pantera faminta.
Subindo com dificuldade o declínio onde havia caído, sentia o sol candente arder o ferimento em suas costas. Olhava para trás, hora ou outra, verificando a distância entre si e o maníaco há alguns metros de distância. Desesperado, Demogorgon apanhou do chão um galho torto de um pinheiro, em busca de defesa. Seu pulmão parecia pequeno demais para todo ar que respirava, o galho pesado demais para seu braço, as pernas lentas e moles demais para correr. Esgotado, apoiou-se em uma pedra. Olhou para os lados, dando-se conta de que aquele cemitério perdido já não estava mais ali, e que ninguém mais o perseguia. O silêncio era como uma manta de aço.
Ajoelhou-se no chão, apertando os braços contra o estômago. Encolhido, gritava de fome, amaldiçoando cada árvore daquela ilha, por não encontrar alimento nelas. Cravou os dedos sobre o chão, e sobre suas mãos colocou um punhado de terra, onde enfiou-a na boca, e com nojo, mastigou, sentindo um líquido de gosto acre molhar sua língua; sobre os lábios, pousava uma minhoca que se contorcia a cada dentada que Demogorgon dava. Engoliu o pobre animal, e de olhos fechados, ainda sentiu-o se debater em sua garganta. Ergueu-se, e de ouvidos apurados, pôde ouvir, ao longe, o barulho de água. No rosto, imprimiu um sorriso de felicidade, talvez o único sorriso que dera desde que pisou naquela ilha. Com os braços, afastava os cipós e galhos das árvores, protegia seus olhos dos espinhos, esmurrava alguma aranha presa em alguma teia. Corria em linha reta, sentindo aquele delicioso barulho d’água ecoar em seus ouvidos, como uma sinfonia de Mozart: a cada passo que dava, os ruídos iam crescendo, crescendo em seus ouvidos, até que, quase cego pela luz do sol, coçou os olhos acostumados ao escuro, para ter certeza de que aquilo era um sonho ou não: parado sobre uma clareira, sobre seus olhos estendia-se uma pequena cachoeira, que derramava água cristalina sobre um pequeno lago de peixes coloridos.
Jogou o corpo contra a água, abrindo a boca para matar sua sede, e as mãos para matar sua fome, para agarrar algum dos peixes. Seu corpo estava tombado sobre o chão, suas roupas estavam secas. Abrindo os olhos com cuidado, viu a grama seca balançar com um vento que acabara de soprar. O barulho de água havia sumido, apenas o silêncio reinava em seus ouvidos. Levantou seu corpo dolorido, e atônito, olhou para os lados, vendo apenas algumas pedras, terra e grama. Onde estavam a água e os peixes? Tocava tudo ao seu redor, tentando sentir, pelo menos, uma gota d’água na ponta de seu dedo. Chorando, dava socos no ar, amaldiçoando aquele seu mofino destino.
(continua...)

10.6.08

Homo Hominis Lupus (primeira parte).


Ele sentiu medo das próprias mãos. Olhou-as por um longo tempo, analisando cada detalhe de suas unhas sujas, cada ponta de seus dez dedos, mas ainda não conseguia entender o porquê daquela faca estar deitada na palma de suas mãos. A lâmina era cálida, e brilhava diabolicamente com a luz lunar. Ele desviou o olhar de seu próprio corpo, olhou ao seu redor, e teve como trilha sonora o farfalhar das folhas no alto das copas das árvores, o ruído fúnebre do vento sorrateiro e a pesada respiração de Apollyon; sua figura macilenta agora perambulava como um fantasma maldito no meio das gigantescas árvores, que erguiam-se como agulhas negras perfurando o céu sombrio.
- Venha, Demogorgon! Cá já estamos perdidos neste paraíso amaldiçoado, comendo apenas o vento vomitado pelas montanhas e ilusões de uma liberdade longínqua. Nosso corpo implora por comida, nossa alma, por tranqüilidade...
- Tranqüilidade, Apollyon? Como descansaremos em paz, sabendo que nosso amigo dormirá em nossas entranhas? Como poderemos cerrar os olhos, e termos belos sonhos, tendo o sentimento de agonia pesando em nossas consciências?
- Então morras de fome! Pereça na escuridão da noite, morda teu próprio corpo e mastigue a tua própria carne. Não vês que é suicídio, isso o que fazes? Tentar esconder-te atrás do teu moralismo não vai adiantar em nada. Viva! Ame tua vida, ama-te. Não pelo prazer, mas sim pela sobrevivência... Ajoelhe-se neste chão de terra, e comigo, venha banhar-te em sangue morno e saciar a tua fome!
Ele desviou os olhos de Apollyon, como se agora temesse aquela imagem que há tanto tempo conhecia, como se aquela face pálida nunca tivesse feito parte de suas lembranças, como se aquelas feições tétricas fossem estranhas aos seus olhos. Ele olhou novamente para as mãos, os braços, olhou-se como se aquele corpo não fosse seu, se estivesse deslocado, perdido em um espaço vazio. Sentiu um estranho arrepio no corpo quando dera alguns passos à frente, aproximando-se da sombra caída sobre a grama seca. A lua iluminou parcialmente o corpo estendido no chão, como um farol na ponta da praia, apontando para o fundo negro do mar, um navio naufragado. Apollyon fixou os olhos opacos no próprio rosto refletido numa poça de líquido negro.
- Fome! Tenho fome! – gritou Apollyon, erguendo os braços em direção ao céu obscuro, como se exaltasse forças invisíveis – Esse desejo maldito que esmaga minhas entranhas, raspa com agonia o interior de minh’alma... Esse desejo tão natural, tão desesperador... Esse desejo... que mata.
Como um cão sarnento e abandonado, ajoelhou-se sobre a terra seca, farejando como animal cada parte daquele corpo frígido. Ele sacou das vestes imundas de terra, suor e sangue, um pequeno punhal que costumava carregar consigo em todas as viagens. Como um abutre faminto em busca de carne putrefata, pousou suas garras no cadáver e rasgou-lhe a roupa que cobria o corpo. Pobre humano, esfaqueado de loucuras e desejos! A ponta da lâmina deslizou como serpente sobre a pele branca do defunto, derramando sobre a terra um filete de sangue.
- Não! Pare com essa loucura! Já fizemos demais, matá-lo...! Não podemos prosseguir com este ato insano e...
-... Vital! Este ato é insano e vital, Demogorgon.
- Agora sei, mais do que nunca, de como nós, relés seres humanos, somos frágeis e quebradiços. Não irei participar dessa loucura, Apollyon! Jamais irei manchar meus lábios de sangue humano.
Apollyon não respondera: com as mãos pousadas levemente sobre a barriga do morto, abriu-lhe com a ponta dos dedos o corte que fizera com seu punhal. A neblina espessa flutuava por entre as árvores grotescas, onde Demogorgon, olhando para o horizonte, tinha a forte impressão de estar cercado por centenas de espectros esfumaçados, que caminhavam lentamente, sem rumo, como se estivessem a pagar os pecados cometidos em vida. Ele afastou-se bruscamente, dando alguns passos para trás, ao assistir, com horror, a cena que se passara aos seus olhos: Apollyon, ajoelhado, agarrava com as mãos trêmulas um punhado de miúdos ensangüentados, vindos das entranhas do cadáver, e levava à boca com um estranho desejo que cintilava em seus olhos castanhos.
Sem dar-se conta do chão que estremecia embaixo de seus pés, tropeçou de costas em uma das tantas rochas cravadas por entre a grama seca, sentindo seu corpo desmoronar paulatinamente em cima de uma poça de bile criada por uma de suas fortes ânsias de vômito. Demogorgon ergueu-se e correra tão rapidamente sem nenhuma direção, que quando deu por si próprio, estava parado, olhando diretamente para uma lua cheia e mística pairada no céu, boiando sobre um mar de escuridão. Uma estranha sonolência cobrira seus olhos com mãos pesadas, anestesiou seu corpo de toda dor e tombou-o sobre o gélido chão rochoso banhado de luz. Adormecera.
(continua...)

5.6.08

Single 1


Na verdade, queria sumir,

parar num lugar bem longe daqui,

onde não houvesse notas erradas,

nem tropeços pela estrada,

nem chuva nas noites de verão.


Na verdade, queria chorar,

tomar chuva e bem alto gritar,

soltar um palavrão,

dizer qualquer coisa,

dizer que nada mais me mata

do que essa solidão.


Queria dizer que te amo,

e com verdade,

ouvir você dizer que me quer.

As canções mais belas

são as que mais me fazem

pensar em você;

As canções mais tristes,

são as que me fazem

tentar te esquecer.


26.3.08

A Lua e o Girassol


Eu vou contar uma história que pode ter acontecido com qualquer planta ou pedra, hoje ou amanhã, ou em qualquer época: é sobre o amor do Girassol e a Lua. Mas é uma história triste, vou alertar, e fica a critério de vocês porem em alguém a sua devida culpa, se é que é certo alguém culpar:

O Girassol morava em um campo amarelo
Junto de sua família e amigos,
Mas não era feliz,
Pois tudo era certo.
De dia acordava,
E no resto dele,
Até seu fim,
Tinha que se virar
Para um cara chamado Sol,
Que nenhum pouco se encantava.
Ficava ali parado,
Por mera obrigação,
Para se alimentar, crescer,
Sem nenhuma diversão.
E aquilo era todo o dia,
E o coitado, meu Deus!,
Nada entendia
O motivo daquela sua sina;
Ficava pensando em como a sua vida
Era vazia,
Como um copo cheio de ar,
Como um coração que não tem
Sangue a circular.
E o Girassol por ninguém
Podia se apaixonar,
Pois estava preso
À laços que não podia cortar.
Quando a noite cobria o céu,
Era o aviso para ir dormir,
Coisa que fazia sempre,
Sem ao mesmo insistir.
Fechava os olhos, mas não dormia.
Apenas pensava em como a vida
Devia ser bonita,
Mas por ela não sorria,
Pois motivo não havia.
Mas um dia, por acaso,
Seus olhos ele abriu
Quando a noite o céu cobriu.
Ali no céu,
Viu um manto de estrelas
E no peito,
Nasceu uma única certeza:
Era a coisa mais bonita que já viu.
A Lua chegou grandiosa,
Cheia de esplendor,
Iluminando o caminho de perdidos
Que na vida não havia sentido.
O Girassol lançou-lhe um sorriso,
A Lua, envergonhada, apenas minguou,
E quando menos esperava,
O dia novamente raiou;
De seus olhos,
Uma lágrima rolou
E o Girassol, amargurado,
Pela primeira vez se apaixonou.
A vontade de reencontrá-la
Foi crescendo a cada dia
E o Girassol apenas de noite sorria.
Seus pais estranharam
Ele ali todo torto
De lado errado, ao contrário,
E o Girassol, pro Sol,
Ele não mais ligava:
A Lua havia conquistado seu coração.
A Lua, tímida, toda vez minguava,
E nem um sorriso pro
Girassol ela dava.
Quando a Lua abria a noite,
Esperava ali no alto
Mais um sorriso daquela flor,
Mas não conseguia retribuir
Pois a timidez era seu ponto fraco;
E sempre minguava, esperando
A coragem tomar conta da sua alma
Mas um dia ela apareceu,
Grande, gorda, redonda,
Tapou com grandeza
Aquele Sol que a todos aquecia,
E fez o céu escurecer.
Todos os girassóis no campo
Com espanto se viraram.
A Lua então chorou,
Pois, caída sobre a relva,
Estava morto o Girassol,
Que pereceu carente de calor,
Não ligava mais para o Sol,
Doente de todo aquele amor.
A Lua, então,
Da frente do Sol saiu,
E instantes depois,
Uma grande chuva caiu:
Todos os girassóis no campo
Disseram que a chuva
Era lágrimas
Da tal Lua cheia de beleza.
O solo acolheu dia após dia,
Fragmentos do Girassol,
E anos depois,
Sementes seu corpo virou.

A quem diga que a culpa foi da Lua, outros, do Sol, e até mesmo disseram que a culpa foi toda do Girassol: eu não dou opinião, pois nada sei sobre coisas do coração. Mas, o que posso afirmar, sem nenhuma culpa, é que a Lua, tão tímida, nunca gostou da chuva.

23.3.08

A Metamorfose da Dor


Olho-me no espelho por um segundo, e vejo que muito mudou. Os pêlos sobre o queixo anunciam a morte da minha infância, os cortes no meu braço gritam constantemente sobre meus olhos, pedindo para que eu tenha consciência de que algo está errado. Os meus brinquedos foram queimados logo após o primeiro tapa na cara, me fazendo dar de cara com esse mundo frio e sujo, que tanto tenho medo. Mãe, por favor, deixe-me voltar a me encostar em sua placenta, sentir-me protegido em seu ventre, e não sentir o frio que mata lá fora; por favor, mãe, deixe-me ser novamente aquele espermatozóide esperto e ligeiro! Juro que desta vez vou fazer certo: vou errar o caminho de encontro ao óvulo. Se deixasse de existir, traria liberdade aos meus sapatos, que não seriam mais obrigados a sentir o meu chulé, traria alivio à minha cama, que não seria mais obrigada a sentir o peso do meu corpo, e traria alegria ao box e ao chuveiro, que não seriam mais obrigados à me ouvir chorando toda vez que chego da escola. Traria benefícios à pia, aos panos de prato, à parede do lado da cadeira, aos cadernos rabiscados, as aulas de Matemática. Engasgue com suas lágrimas e morra, Leandro... As palavras viram letras.
Estou completamente perdido nesse espaço vago e branco, tento fazer o mínimo de gestos, pois tudo que toco é tão frio, que me dói o peito. Onde está a luz lá fora? Sinto que meu coração vai se tornando cada vez mais daltônico, e vai chegar a um ponto que cor alguma irei enxergar. O choro é preso com a respiração, que dói profundamente a cada instante. O medo, o medo, o medo, o medo. O que vai acontecer amanhã? Será que essa corda no pescoço vai diminuir gradativamente? E depois? Será que meu corpo vai ficar estatelado no chão? Será que vou conseguir algum pedaço de madeira para me segurar, e não me afogar mais ainda nessa tormenta de medos e tristezas? O que aconteceu comigo? Nada mais faz sentido. O ovo frito está salgado demais, o miojo duro de mastigar. Minha autodestruição é lenta e perversa, é lenta. O quarto escuro se torna uma fortaleza, e os livros meu abrigo. Não há frestas sobre as muralhas, toda luz do céu parece ser as luzes de lâmpadas queimadas. Estou perdido. Olha como fiquei: mais uma merda jogada na calçada, uma merda saída pelo cú da minha mãe. E meus pais? Paredes que vão se fechando a cada dia, me fazendo ficar sufocado e me afogar em lágrimas. Meu irmão? Um motivo, o único, que me faz sorrir. Mas no momento, nem ele me faz sorrir mais.
Olha, pai, enfia mais uma vez essa faca dentro de mim, deixa-me sentir mais uma vez essa dor e tentar compreender porquê a vida é assim. Olha, mãe, deixe de sorrir para mim, deixe de usar palavras no diminutivo quando se referir à mim, me mata com o seu silêncio, me enfia novamente em sua barriga e me aborta, joga fora esse feto crescido na privada e dê a descarga, deixe-me vagar feliz pelos encanamentos e me misturar com as fezes, coisas que realmente eu sou. Leandro, se mate, tente criar coragem em suas angústias, pois você sabe muito bem que a vida não possui mais sentido nenhum! Por que você anda? Por que você vive, e por que você ri? Pare de dar suas falsas risadas, pois você sabe que amor nenhum à dentro de ti. Tudo está empoeirado, petrificado. É seu próprio veneno que está engolindo dia-a-dia. Não há porquê continuar com esse suicídio diário, com essa tortura física e espiritual. O que você é? Esse vazio na cabeça amolece minhas mãos. Meu dia não amanhece, morre desde cedo. Sou apenas o medo em pedaços e com claustrofobia, encravado num espaço branco e vazio.

19.3.08

Segunda-Feira


Abri os olhos,
Mas não acordei.
Coloquei as roupas,
Mas ainda estava nu;
Nos pés, apenas a frieza
De um chão sem tapetes.
Comi alguma coisa,
Não tinha nada no estômago.
Sai pra rua,
Mas ainda estava em casa,
Dormindo entre os cobertores;
Me balançava entre pessoas,
Ouvia qualquer coisa,
Mas ainda estava surdo
Com o silêncio do meu quarto.
Derrubei qualquer coisa,
Pulei qualquer poça,
Cumprimentei qualquer pessoa,
Mas ainda soterrado em travesseiros
Estava eu buscando alguém
Para sonhar.
Olhava para os lados,
Sorrisos automáticos,
E eu, ainda,
Me recusava a levantar.
Amei qualquer coisa,
Chorei por qualquer pessoa,
Cortei qualquer pedaço,
Estava eu a me perder
Em escuridão, ainda
Andando sonâmbulo
Sobre poças de lágrimas.
Por ali me gritaram,
Era ela! Era ele!
Felicidade passageira,
Viajante dolorosa,
Carregava nas malas
Algumas angústias.
Era ela! Era ele!
De boina ou de boné,
Carregava na cabeça ponteiros,
Era o despertador,
Me chamando pra viver.